sobre o óvulo cego.

experiências intensas são como arquivos muito pesados. demoram a "baixar". até cair a ficha, até você entender o que (se) passou, leva tempo e demanda muita paciência. para ir direto ao assunto, tivemos aqui a experiência de um "óvulo cego" ou gravidez "anembrionária", aquela que quase vai adiante, mas não vai. tipo quando você comemora, corre pro abraço mas o juíz anula o gol...sabe?

foi assim: com o teste de gravidez positivo em mãos, fomos fazer o primeiro ultrassom e um silêncio enorme invadiu o ar. não haviam batimentos cardíacos. o projeto de embrião estava lá, parado na sexta semana do processo. o cruel da história é que o corpo continua acreditando que a gravidez é prá valer e produz os hormônios gravídicos a milhão, te deixando enjoada, sensível e tudo mais, enquanto o útero se prepara todo pra receber...ninguém!

sou uma pessoa pragmática, entendi na hora o que o médico disse e fiz do banho de água fria um estímulo para pensar rápido e me adaptar à perda sem muito drama. mas o tal do "ovo cego" tem mesmo um nome apropriado para o que representa....você se sente andando às escuras, tateando respostas que não existem e se perguntando porque diabos foi avisar os amigos, a família e o seu filho de 2 anos que ia chegar um irmãozinho. tá! agora entendo pq a maioria das pessoas só anunciam a gravidez depois dos 3 meses. ah, como dói ter que aprender a fazer certas coisas. como explicar pro seu filhote que as sementes de gente nem sempre vingam e que nós estávamos tristes por não ter visto nenhum bb no ultrasom etc. ele entendeu perfeitamente. acho que ficou triste também, mas calou-se para sempre sobre o assunto, muito gentilmente... doeu muito essa parte!

quanto a mim, com a surpresa da anti-gravidez literalmente grudada no corpo, fazendo mil exames, angustiada e sem saber o que sentir, não pude escapar de uma temida curetagem, que é o método cirúrgico de eliminar os restos ovulares. ou seja, limpar a àrea da "implosão hormonal" e levar também os restos psicológicos do que (não) aconteceu. fui firme. pude contar comigo. no final, descobri uma força que nem eu sabia que tinha e descobri que uma porcentagem enorme de mulheres tb já passou por isso, mas não fala no assunto. é que o peso da frustração é enorme. mas não é disso também que a vida é feita? de querer e não conseguir?

no meio desse turbilhão de coisas que foram se desencadeando sem nada que eu pudesse fazer, foi a poesia do corpo - sempre ela, minha religião viva e pulsante - que mais uma vez veio me mostrar que generosa anfitriã é a natureza feminina: com todo luxo e conforto arrumou a casa para receber o convidado, apesar da sua ausência... fiz o que pude para ajudá-la a desfazer os cantinhos e com todo o meu afeto compensar a sua mágoa e dizer que estava muito grata pela hospitalidade e que será um prazer poder contar com ela da próxima vez, quando fecharemos as portas para o medo e acenderemos o fogo lá dentro e seremos morada do mistério por lindos noves meses, se o convidado quiser voltar. assim será, pois no fundo do coração, naquele lugar onde não há enganos nem arrependimentos, eu sei que moram todas as respostas, inclusive sobre os óvulos cegos que devem ser aqueles que enxergam mais pra dentro ainda...

2 comentários:

Ferna disse...

oi!
já tinha vindo visitar o pequeninão, mas hoje caí aqui por acaso, na "véspera" do dia das mães e falando sobre um assunto tão meu também.
Tive essa infeliz e vazia experiência ano passado, na minha primeira e única (até agora) gravidez.
E é bem isso mesmo que você falou. Uma incerteza, uma eterna interrogação e uma sensação de ter sido enganada. Porque tudo isso?
O que acontece é que a partir daí eu pensei um bocado, senti muitas coisas, cresci, sofri, e olhei mais pro meu corpo.
E sigo esperando a visita do meu filho. Que é enrolado como os pais, mas eu sei que uma hora vem!
beijo carinhoso e feliz dia das mães!

fafi prado disse...

oi, querida.
obrigada pela visita!
me agrada saber que as palavras que plantei aqui repercutem de maneira positiva aí.
eu precisava escrever sobre isso, pq muitas amigas comentavam comigo a experiência silenciada. muita sorte pra vc, espere, relaxe, aguarde os fluxos. a vida é louca, muda de rumo quando a gente menos espera. grande beijo!